O
Fim de uma história
Estavam todos ali reunidos
para a despedida final. Todos reunidos em volta do caixão ainda aberto, para as
ultimas orações e ultimas despedidas. O representante do sacerdócio religioso fez
sua fala fúnebre, cerimonial e religiosa, e convocou o grupo para que rezassem.
Terminada a reza um familiar
próximo fez um sinal para que fechassem o caixão e seguisse os procedimentos
finais do funeral, baixar o caixão até o fundo da cova. Neste momento reinava
um silencio sepulcral. Quebrado apenas pelos gritos de um gavião que rodopiava
nas alturas, em meio ao sol quente.
No meio do silencio das
vozes pálidas, surge outro grupo caminhando em silencio. Seguem caminhando
lentamente pelos atalhos do campo santo, como se não quisessem atrapalhar o
descanso dos que ali repousavam. Aproximaram-se do funeral formando um
semicírculo para que todos se colocassem em condições iguais, na chegada de um
lugar que entendiam como um destino final. Aproximaram-se e pararam a uma distancia
que podia ser chamada de posição de respeito, aos que participavam do funeral.
De um modo gestual ordenaram a paralisação do cerimonial. O ranger das roldanas
foram silenciando lentamente. Cada gesto dos presentes era calculado e milimetrado.
Quando o movimento de descida parou junto com o ranger das roldanas, uma nova
ordem gesticular. Retirem o caixão de volta. O gavião parara de gritar.
Novos olhares de espantos
que tentavam sussurrar, mas não se atreviam diante de tal situação. Novamente o
silencio é quebrado pelas roldanas, que agora giravam em sentido contrário,
retornando o caixão de uma viagem já realizada. O movimento ao contrario era
mais penoso pela subida, um sacrifício ainda maior por não entender como um
corpo franzino podia pesar tanto. Por fim o caixão chegou ao nível do solo, e
ali ao lado foi depositado.
O silencio das vozes que era sepulcral,
torna-se um silencio tumular, com uma expressão oculta em cada olhar. Ninguém
se mexia, estavam todos estatizados com a situação. Um misto de medo e suspense,
do que poderia acontecer pelos próximos minutos. Seria uma ação de meliantes
dentro de um cemitério? Qual seria a real intenção daquele grupo? No meio de
tantas covas rasas, não havia locais para correr ou se esconder. Melhor seria
aguardar os acontecimentos e rezar, silenciosamente, nada de desesperos. Cada um
deveria fazer suas orações em silencio, para não criar melindres com o grupo
recém-chegado. E assim aconteceu.
Passado alguns instantes, já
havia tempo suficiente para que cada presente pudesse ter visto os rostos
daqueles componentes do grupo que ali se apresentava. Com gestos discretos cada
um pode girar seu globo ocular para todas as direções sem outro músculo
aparente movimentar.
Aos poucos as expressões de
medo foram se ausentando de cada face, restando uma expressão de suspense ou surpresa,
e assumindo agora uma expressão de uma situação geral de espanto. Alguns
membros do grupo eram conhecidos de muitos daqueles ali presentes. Cada membro
do grupo podia conhecer ou reconhecer, ou um ou outro, membro do grupo que ali
chegara ao ultimo momento cerimonial. Poderiam mesmo até estar ali, para
prestar uma ultima homenagem.
Todos já sabiam ou pressentiam
que não se tratava de uma ação marginal. Eram pessoas do bem. Mas porque não
haviam chegado mais cedo? Porque não chegaram ao cerimonial ao tempo de
participar, como todos os outros presentes. Ainda reinava um suspense. Um misto de calor e de frio circulava entre as
pessoas. Só uma brisa assobiava nos ouvidos atentos. Grandes besouros de asas
batentes circulavam entre as flores. Por fim os novos participantes se
posicionaram em volta do caixão, e o abriram novamente, expondo o corpo que
acabara de ser velado e quase enterrado. Retiraram o corpo e o depositaram sobre
o chão de terra.
Começaram por investigar
cada parte do caixão, como quem procura algo escondido em paredes e fundos
falsos, não encontravam nada. Terminada uma suposta vistoria no caixão,
passaram a revistar o corpo, seus bolsos e seu paletó. A situação começa a
ficar cada vez mais intrigante. O que estariam procurando? Estaria o defunto ou
aquele grupo participando de ações secretas que nunca foram imaginadas? Seriam
um grupo tão secreto que ao longo de vidas não tivessem deixado pistas de suas
ações? Cada presente naquele momento imaginava histórias nunca antes
imaginadas. Por fim pararam ou desistiram de procurar aquilo que ninguém
imaginava o que seria.
Alguns do novo grupo se
juntaram, e de um único gesto, recolocaram o corpo novamente no caixão.
Terminaram aquela remoção e limparam suas mãos umas nas outras, como se
quisessem espanar a terra acumulada nas mãos, e em um gesto de limpeza por
tocar em um corpo que já tinha ido ao fundo da sepultura. Pensaram e murmuraram
em uma só voz; pela primeira vez o grupo emitia uma voz. Parece que desta vez
ele esta saindo sem levar nada.
Os participantes tiraram lenços brancos de
dentro dos bolsos para finalizar a operação de limpeza e desinfecção de suas
mãos. Limparam as mãos nos lenços, deixando resíduos de terras nos tecidos que
antes eram bem alvos. Limparam as mãos com os lenços, depois embolavam-os de
qualquer maneira e atiravam dentro do caixão. Fizeram seu ultimo olhar ao morto
virando de costas, para o caixão. E com uma expressão clara percebida por todos
os presentes, seus pensamentos e suas ações: “leve estes lenços como sua ultima
subtração”. Terminaram seus objetivos e tarefas, e voltaram para a mesma
direção de onde chegaram. Revistaram tudo e não encontraram nada, assim parecia
ter acontecido. Não acharam nada, não retiraram nada e não falaram mais nada.
A viúva aproximou-se do
caixão, e observando tantos lenços sujos e embolados seus olhos brilharam.
Brilharam tanto que pareciam que iam se debulhar em lágrimas. Ela não chorou, e
avidamente recolheu todos os lenços, um por um. E os guardou onde conseguiu
guardar, sem se preocupar com sujeiras ou observações. Na pressa de recolher
todos os lenços, foi colocando-os onde podia ou onde cabiam: nos bolsos, presos
a cintura ou juntos do sutiã. Parecia a ela não haver um corpo ali á sua frente,
só lenços.
Todos entenderam sua
intenção de recolher os lenços. Lavar, quarar, secar e passar, para depois
guardar. E quem sabe não pudesse entregar pessoalmente, já limpos e perfumados.
Ela sabia que em breve iriam se encontrar, e novas subtrações juntos poderiam
realizar.
O destino como sempre, tem
uma peça ou uma lição a contar. Em uma sepultura ao lado estava escrito, uma
frase para quem quisesse observar: Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade
(Willian Shakespeare). O gavião começava novamente a gritar.
Natal/RN
21/12/14
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