O
Sargento e as patentes
Quando jovem, saiu de uma
cidade do interior nordestino, com destino a uma cidade grande, já que lá na
pequena cidade não iria servir para as atividades que serviam a seus pais, a seus
tios, e aos seus inúmeros primos. Mal sabia remar ou nadar, sabia apenas olhar
e observar. E saiu das margens de um rio para se alistar na marinha. Acostumado
a ver rios com cheias e secas, queria ver o mar. Desembarcou em outro rio para ali
se alistar. Alistou-se como um recruta para servir a pátria, e chegou à patente
de sargento. Serviu no sul do país e descobriu que as patentes têm outros
significados.
Sem pai e sem mãe em outro
rio, aceitou a pátria como mãe e a marinha foi sua madrinha, no Rio de Janeiro.
Um dia foi designado para uma cidade onde começa a formação dos futuros oficiais
da marinha. Não ariscou um passo mais largo, preferiu formar novos recrutas,
que começariam como ele começou. Mais tarde, já como sargento, fora convidado
para um cargo de adido militar, em outro país, e surge uma nova desistência de
um passo mais largo. E aquele sargento só serviu à marinha. O sargento serviu à
marinha em algumas patentes, e não serviu para mais nada. Acostumou-se a
criticar os outros por uma gíria, “queimar a pólvora do governo”. E como o
governo era seu pai, queimou pólvoras à vontade, era o governo quem lhe pagava.
Na época em que servia a
marinha, e morava em uma pequena casa no final de uma vila, tentou servir como
criador de coelhos, nos fundos de um quintal de um vizinho, na mesma rua. Não
serviu de nada seu investimento. Quando possuiu casa própria com um terreno nos
fundos, e ainda servido a marinha, tentou servir como criador de galinhas.
Queria ser fornecedor de frangos e galinhas para aviários. Não serviu de nada
seu novo investimento e seu novo empreendimento. Comia, dormia e bebia no
quartel, e quis criar, dar apenas água e ração para frangos e galinhas,
alojados em um galinheiro. Coletou alguns ovos para consumo próprio, e produziu
apenas o adubo deixado pelas galinhas. Com poleiros e patentes, elas souberam
transformar a água e a ração que lhes foi ofertada.
Mais tarde o sargento investiu
como sócio em uma empresa de aplicação de sinteco em residências. Sem conhecer
nada do ramo, quis ser apenas o dono, sem sujar as mãos, não podia desmerecer
sua patente. Não se sabe exatamente o fim da história e a desfeita da
sociedade. De outras vezes fez novas e diferentes tentativas. Tentou por
algumas vezes ser um construtor. Deixou casas incompletas, ou seja, todas as
casas que começou a construir não foram terminadas, inclusive o galinheiro.
Muito tempo depois voltou para
aquela cidade de onde saíra em sua adolescência. Foi a uma cidade próxima e fez
um grande investimento no ramo de depósito de gás, com distribuição de gás
engarrafado, tentando e imaginando favorecer a região. Outro empreendimento não
pesquisado e não avaliado, que não serviu de nada. Teve que vender os botijões
vazios, trazendo de volta os prejuízos, o empreendimento não teve sucesso, nem
chegou a explodir.
Hoje com uma granja
disponível que não lhe pertence, continua suas tentativas de servir para alguma
coisa. Uma granja que lhe serve para brincar de trabalhar de produtor rural,
buscando novas patentes. Novos e repetidos conhecimentos e investimentos são
aplicados na granja, também chamada de sítio. Já tentou novamente servir como
criador de galinhas e de coelhos. Tentou servir como criador de carneiros e
ovelhas. Investe na produção de capim, sempre viçoso e irrigado. Tenta ser um
piscicultor com uma piscina improvisada.
Soube preservar na granja
tudo que era velho e desajeitado. Casas e casebres, cochos e ranchos; são obras
que em algum momento, antes da aquisição da granja, com edificações e
construções, algo que um dia foi iniciado, construído e terminado. Mas com a
ação do tempo requer conservação e manutenção, que nunca não são realizadas.
O sargento tenta no espaço
conhecido como sitio ou granja, criar e produzir tudo que pode ser encontrado
em um supermercado como: animais abatidos, limpos e embalados, nas opções cozido
ou assado; fresco, resfriado ou congelado. Tenta novas patentes rurais. Tenta
ser um produtor de frutas secas, polpas de frutas e laticínios E em um
supermercado ainda é possível encontrar produtos industrializados com certificados
de inspeção, em embalagens lacradas e esterilizadas.
Saiu da cidade do interior,
mas continua por lá. Não sofreu por histerese, uma patologia social, apenas por
hipertensão, a patologia do ancião. Vê na atual granja, quem sabe fazer e
aprender o que poderia ter feito e aprendido por lá. Lá naquela cidade de onde partiu.
Hoje as terras e imóveis que sua família possuía, já não possuem mais. O jeito
agora é trabalhar de meeiro dividindo tudo coleta ou que produz, com os donos
da granja, para não correr o risco de ser despejado.
Não perdeu o habito dos
meninos de sua época lá naquela antiga e pequena cidade. O hábito de sair para
caçar. Vez por outra nos dias de hoje quando sai pela selva de pedra, volta para
casa com uma carne lembrando uma caça. Uma ave preparada, um frango assado.
Hoje esta sempre criando um
porco para abater e comer ao final de cada ano. Cria o porco com restos de
comida, cascas de legumes e frutas, mais as sobras de um rancho militar. Para
no final do ano consumir o porco alimentado de sobras. E entrar um ano novo com
sobras ingeridas e transformadas, por um porco que viveu a vida toda enjaulado.
Natal é renascimento, um
local onde tudo recomeça e todos renascem. Um limite entre a barreira do
inferno e o trampolim da vitória.
RN
– 15/01/2015
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